Capítulo vinte nove - Tacos de bilhar feitos com ossos de guerreiros mortos? Não, obrigado



Quer um conselho? Nunca negocie com um elfo comerciante. Você sempre sairá perdendo.

— E então?! — questionou Steve, vidrado na minha espada.

— Você está blefando — afirmei, colocando a espada para trás.

— Óoh! — exclamou a pequena criatura, colocando as mãos no peito. — Assim você me ofende, sou um elfo honesto!

Era difícil acreditar. A grande profecia… incompleta. Mas ele não parecia estar brincando e nem mesmo mentindo sobre isso — a não ser que além de comerciante, Steve fosse um ótimo ator.

— Supondo que essa história maluca, seja verdade — disse eu. — Como isso aconteceu?

— A memória dos humanos é péssima. A profecia foi escrita há apenas mil anos, e ninguém mais se lembra — declarou o elfo.

apenas mil anos. Ele estava tirando uma comigo?

— Mas como que algo assim se perde? — perguntei. — Digo, é a grande profecia. Ela é importante.

O elfo gargalhou, caindo para trás.

— Nem sempre foi assim, garoto — respondeu ele, ainda rindo. — Quando os deuses aprisionaram os dragões e escreveram a profecia, os humanos estavam em festa. Finalmente as bestas tinham sido derrotadas. Por muitos anos, eles a levaram como versos de uma poesia qualquer.

Steve andava de um lado para o outro, gesticulando o tempo todo.

— Eles a ignoraram, nem se esforçaram para entendê-la. Nem se preocuparam em guardá-la — continuou o elfo dando ênfase na última palavra. — É claro que depois de um tempo, eles perceberam que ela era real. O mal estava crescendo novamente, mas era tarde demais. Nenhum homem vivo se lembrava da profecia inteira. Então os humanos se agarraram no que sabiam e guardaram esses versos que você conhece, deixando o resto para trás, perdido no esquecimento.

A história realmente fazia sentido. A maioria dos humanos só percebe o problema, quando ele bate na porta. Quando as coisas estão bem, ninguém se importa com o que pode acontecer no futuro. Os deuses afirmaram que o mal iria renascer e o que a humanidade fez? Nada. Encararam os versos da profecia como uma simples poesia. E dizem que eu sou lerdo.

— E então?! — insistiu o elfo. — Temos um acordo?

Olhei para a minha arma, a Espada do Oeste era sagrada. Foi usada pelo próprio Belenus há mil anos, quando ele aprisionou o dragão do fogo. Não poderia simplesmente entregá-la para um colecionador compulsivo.

— Eu não vou lhe dar a espada — concluí.

— Então não temos mais o que conversar — declarou o elfo, virando-se e ameaçando ir embora.

Provavelmente era uma técnica de comerciante. Primeiro me convenceu que tinha algo que eu precisava. Depois ressaltou a raridade desse item e seu grande valor. Agora está agindo indiferente, querendo me manipular, como se falasse: tudo bem fique com a espada, quem vai sair perdendo é você.

Espere! — chamei me colocando de pé. Ele olhou por cima do ombro, com um olhar arrogante. — Talvez possamos negociar com outra coisa... — falei.

Ele me encarou, avaliando-me. Um sorriso surgiu no canto de sua boca. Eu não posso ler mentes, mas tenho certeza que ele pensou: sim, finalmente esse idiota mordeu a isca.

O que você tem para me oferecer, jovem guerreiro?

Abri minha mochila e comecei a tirar algumas coisas de dentro.

— Que tal esse belo manto de rinoceronte? — questionei, mostrando a pele de Rhinoceros. — Veja bem: ele é a prova de fogo, pode ser útil caso um dragão maligno queira queimá-lo. E o melhor de tudo, combina com qualquer peça de roupa. 

Steve pareceu interessado. Era um item raro, ninguém havia sobrevivido à tentativa de pegá-lo.

— Hum… admito que seja um artigo interessante. Mas duvido que aguente as chamas desse dragão que não falamos o nome — afirmou o elfo. — Tem mais alguma coisa?

Larguei o manto ao lado e continuei tirando minhas coisas da mochila.

— Já sei. Quem sabe um cantil mágico? — perguntei, mostrando um dos itens do Sr. Stone. — Imagine que você está andando por um longo deserto, com sede. Esse cantil salvará sua vida, pois a água dentro dele nunca termina.

Dessa vez os olhos do elfo brilharam, mas foi por apenas alguns segundos.

— Err… até que seria útil em minhas viagens. Mas não vale o preço da profecia.

Esse era mais um dos truques de negociador dele. Estava desvalorizando minhas coisas, como se nada que eu pudesse oferecer fosse bom o suficiente.

— Tudo bem — suspirei. — Talvez uma barraca especial… dentro dela você ficará protegido das criaturas malignas.

Outro item mágico recebido pelo Sr. Stone. Se o velho soubesse que eu estava usando suas coisas como moeda de troca, certamente ele tocaria seu avião velho em cima de mim.

— Me parece uma ótima proteção mágica — disse o elfo segurando a barraca desmontada. — Mas… Hum… A profecia é importante... Não tem mais nada? — questionou ele se inclinando para ver dentro da minha mochila.

Suspirei mais uma vez.

— Okay, Steve. — Mostrei meu dedo do meio para ele, mais precisamente o anel mágico (óh... você não pensou que... pensou?) — Esse anel se transforma em um escudo, seu metal é o mais resistente do mundo.

— Ah… não sei. Ainda me parece pouco — disse o elfo examinando meu anel mágico. — O que mais você tem?

Ele estava conseguindo me irritar.

— Que tal se eu não matá-lo? Confesso que nesse momento está difícil me controlar — declarei mexendo minha espada. — Será que isso conta como algo raro?

O elfo soltou um grunhido de pavor.

— Justo! — exclamou ele. — Parece que temos um acordo. Todas essas coisas pela profecia completa. Excelente, você sabe mesmo como negociar.

Steve bateu palmas e um pedaço de papel antigo surgiu em minhas mãos. No mesmo instante minhas coisas desapareceram, sem deixar rastros. Eu não queria nem imaginar onde ele guardava mais de mil anos de quinquilharias, o lugar deveria ser maior que um estádio de futebol e mais bagunçado que o meu quarto.

— Foi bom negociar com você, garoto — disse o elfo fazendo uma reverência. — Pegue meu cartão, caso um dia mude de ideia sobre a espada.

Peguei e guardei o cartão de visitas, que estava escrito: o maior elfo comerciante do mundo.

— Antes de ir, diga-me: como conseguiu isto? — perguntei mostrando o pedaço de papel antigo.

— Eu troquei com Belenus por uma mesa de bilhar, feita pelos vikings é claro. A primeira da história. As bolas eram de pedra e os tacos feitos com ossos de guerreiros mortos em batalha. Artigo de luxo! — explicou o pequeno elfo.

É claro... com Belenus não poderia ser diferente. Lembrei-me da última vez que estive no palácio do deus do fogo, a mesa de bilhar era nova e normal. Fiquei feliz por ele ter substituído a antiga, seria nojento segurar tacos feitos com ossos de gente morta.

— Muito bem, agora preciso ir embora mesmo — disse Steve. — Ouvi falar de um machado muito raro, na Noruega — acrescentou o elfo colecionador, antes de bater palmas e desaparecer.

Olhei para o pedaço de papel em minhas mãos, estava plastificado como uma daquelas edições raras de histórias em quadrinhos. Talvez os vikings também lessem HQs, enquanto tomavam refrigerantes e jogavam bilhar.

Com muito cuidado, removi o plástico protetor. A princípio estava escrita em uma linguagem estranha para mim. Antes que eu pudesse reclamar, as letras se adaptaram aos meus olhos, como se alguém tivesse usado um tradutor automático.

Então consegui ler perfeitamente:

Quando o mal renascer,
Um novo guerreiro deve crescer.

A luz o seu caminho guiará,
E seu futuro ele mesmo fará.

O herdeiro do dragão lutará,
Ao lado de seu pai vencerá.

Minhas pernas tremeram igual vara verde. As últimas palavras da profecia eram piores do eu poderia imaginar. Toda a minha coragem parecia ter desaparecido junto com o pequeno elfo.


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