Capítulo dez - Visitei o playground de um deus




Dizem que quando você está prestes a morrer sua vida passa diante de seus olhos, no meu caso eu fui jogar bilhar com um deus.
Mas vamos voltar um pouco à história. Depois de comermos alguns sanduiches que gentilmente o Sr. Stone preparou para Maia (sim, ele deu os sanduiches exclusivamente para ela, porém Maia decidiu os dividir comigo), voltamos para nossa aventura floresta adentro.


A cada passo a mata se tornava mais densa. O caminho era muito íngreme, precisamos nos esgueirar por de baixo de galhos, subir e descer colinas, e os mosquitos estavam me fazendo sentir saudades dos gnolls, certamente preferia estar em uma batalha do que nessa expedição na floresta.



Porque a barreira mágica tinha que ser dentro de uma floresta? Seria muito mais interessante se fosse à beira mar, decorada com tochas e pranchas de surf. Era assim que eu imaginava o Hawaii: um eterno luau, com nativos usando colares de flores e dançando ula. Mas até agora não ouvi sequer um aloha.


― Ainda falta muito?! ― perguntei ofegante. Estava com minha espada em mãos, cortando os galhos que invadiam nosso caminho, e também por segurança é claro, se alguma coisa aparecesse do nada estaria preparado.


― Estamos quase chegando ― respondeu Maia. Seus cabelos estavam desgrenhados e suas roupas sujas, devido às intempéries da floresta. ― O centro da barreira mágica fica logo depois daquele riacho ― disse ela apontando para um pequeno riacho que cortava a floresta.



Finalmente ― pensei. Tudo que eu queria era sair desse lugar.



Mas uma coisa estava me incomodando há algum tempo. Depois que os gnolls nos atacaram tudo estava calmo, calmo até demais. Normalmente os monstros não nos deixam dar dois passos sem pular em nosso caminho tentando nos matar, ou pior, nos roubar.



Bem, talvez no Hawaii os monstros não trabalhassem à tarde, ― pensei afastando essa ideia de minha mente ― quem sabe nesse momento todos estavam surfando em uma praia qualquer, aproveitando o sol e tomando água de coco. ― Pelo menos era nisso que eu queria acreditar.



O riacho não possuía correnteza, porém era largo e precisaríamos atravessá-lo a nado. Joguei minhas coisas para o outro lado, para facilitar a travessia. Maia fez o mesmo.



― Muito bem, ― disse eu fazendo uma reverência ― primeiro as damas.



Maia fez uma careta para mim e pulou na água. Em poucos segundos atravessou o riacho e chegou até a outra margem. Mas algo aconteceu, no momento em que ela pisou em terra um pó verde a envolveu, fazendo com que ela caísse inconsciente no chão.



― Maia! ― gritei.



Preparei-me para saltar também, mas pouco antes de me jogar dentro da água, ouvi um latido agudo e irritante. Virei-me e dei de cara com um pequeno pinscher latindo em um tom pouco ameaçador.



Grrrhh! ― rosnou o pequeno animal.



Minha primeira reação foi ignorá-lo, pular no riacho e nadar até Maia. Porém o cachorrinho rosnou e avançou em minha perna, de algum modo me segurando.



― Me larga cachorro! ― gritei sacudindo a perna. Mas como um cãozinho minúsculo desses poderia ter tamanha força?



Maia continuava desacordada na outra margem, eu estava tentando de todas as formas chegar até ela e ajuda-la, mas um pinscher de mais ou menos vinte centímetros estava me segurando.



― Solte-o precioso. ― disse uma voz doce e delicada.



No mesmo instante o animalzinho afrouxou a mordida soltando-me. Ele andou em volta e sentou-se como se estivesse de guarda. Sem entender o que estava acontecendo, olhei rapidamente para a voz misteriosa que me libertou do feroz cachorrinho.



Normalmente quando estou sendo atacado por um monstro, espero que este seja a personificação do mal, com dentes afiados, garras, pelos por todo o corpo e uma aparência pavorosa. Mas ela era totalmente o contrário. Tinha cabelos castanhos e uma pele morena, seus olhos negros eram envolventes. Ela usava um vestido verde feito de folhas, e uma coroa de flores que a deixava incrivelmente atraente. Com tudo isso quase nem notei que ela tinha asas e estava voando a alguns metros acima do chão.



― O qu... que? ― estava me sentindo estranho, minha voz estava embargada e não conseguia tirar os olhos dela.



― Olá Oliver Turner, ― disse a bela garota alada ― estava ansiosa para conhece-lo, ouvi muitas coisas sobre você.



Ela voou em minha direção e parou bem em minha frente, aproximando seu rosto do meu. Seu perfume era uma mistura harmoniosa de diversas flores, um aroma único e sedutor. A presença dela causava alguma coisa em mim, pois não conseguia pensar com clareza, e estava esquecendo-me de Maia.



― O que... que é você? ― perguntei forçando a fala, pois estava difícil pronunciar as palavras.



― Não é óbvio Oliver? ― perguntou ela alçando voo, fazendo um loop sobre mim e soprando um pó verde no ar. ― Eu sou uma fada.



Fadas? Isso é loucura, até mesmo para mim ― pensei. Mas ela estava bem em minha frente, e essa sensação estranha que me consumia parecia estar vindo dela.



― O qu... o que você... quer? ― concentrando-me consegui perguntar.



Ela pousou ao meu lado, se aproximou e passou a mão em meu rosto. ― Eu quero você meu bravo caçador.



Devo admitir que fico envergonhado ao narrar os próximos acontecimentos, mas foi exatamente assim que aconteceu. Ao dizer estas palavras, a bela fada soprou em meu rosto um pó verde, que fez com que eu perdesse completamente o controle dos meus atos. De bom grado a segui, por onde ela voava eu andava atrás, com um sorriso bobo estampado no rosto.



Você é um grande herói Oliver, e eu sou sua linda donzela. Venha, ficaremos juntos para sempre — disse a fada lançando um beijinho no ar.



Não conseguia controlar o meu corpo, ele estava agindo por conta própria. Me sentia completamente preso, e minha mente estava em branco. A fada entrou no riacho e começou a submergir, e eu fiz o mesmo. Senti a água gelada em meu corpo, e alguns segundos depois entrando em meus pulmões e de repente tudo ficou escuro.



Abri os meus olhos e eu estava em um lugar diferente, sentado em uma poltrona confortável, em um tipo de playground gigante, com mesas de bilhar, brinquedos radicais e todo tipo de vídeo games que eu poderia imaginar. Eu estou morto? ― pensei.



Ainda não Oliver! ― respondeu uma voz forte como um trovão.



Olhei para trás e vi um homem alto e imponente. Tinha os cabelos negros e curtos, era forte, e parecia ser bem jovem e despreocupado. Mas era um guerreiro, estava vestindo uma armadura vermelha e brilhante, parecia ter vindo de uma época medieval, exceto pelo fato de que ele estava segurando um taco de bilhar.



― Quem é você?! ― perguntei. ― E que lugar é esse?



O homem me encarou com a sobrancelha levantada. ― Você faz muitas perguntas garoto disse ele passando giz no taco. Eu sou Belenus é claro, deus do fogo, e este é o meu palácio.



 Eu estava diante de Belenus, o deus que me concedeu a Espada do Oeste. O guerreiro que derrotou pela primeira vez o dragão de fogo. Fiquei meio sem saber o que dizer, a única coisa que saiu de minha boca foi ― então seu palácio é um playground gigante?



Ele me olhou e sorriu ― pelo menos é assim que você o vê Oliver, e devo admitir que gosto do seu jeito de ver as coisas ― concluiu o deus com uma piscadela.



É claro que sim... ―  pensei. Mas se não estou morto, o que estou fazendo aqui? E Maia?! lembrei-me que ela havia desmaiado.



― Fique tranquilo, Maia ficará bem. Logo você voltará para salvá-la. ― disse ele com sua voz estridente. ― Gostaria de jogar uma partida comigo? ― perguntou ele me oferecendo outro taco.



Ãah... Claro, por que não? decidi que não seria uma boa ideia repudiar um convite feito pelo deus do fogo.



Por alguns minutos jogamos como duas pessoas normais. Para falar a verdade, o que Belenus tinha de guerreiro, lhe faltava no bilhar, porém eu estava deixando o jogo mais equilibrado. Não me sentiria bem ganhando facilmente de um deus.



Então? perguntei. O que estou fazendo aqui?!



― Você é bem direto Oliver, gosto disso ― disse Belenus se abaixando até a mesa de bilhar e se preparando para uma tacada, mas ao acertar a bola, chamas a envolveram e ela explodiu. ― Droga! Odeio quando isso acontece! ― exclamou o deus.



Fiquei feliz por não ter vencido o jogo quando tive a oportunidade, seria péssimo morrer carbonizado em uma partida de bilhar.



― Muito bem Oliver ― disse ele largando o taco em cima da mesa. Conforme ele se aproximava, a temperatura da sala aumentava. ― Eu o trouxe aqui para lhe dizer algo importante. O mundo depende de você e de sua amiga, se vocês falharem tudo estará acabado.



Isso eu já sabia, era algo óbvio, mas resolvi apenas concordar, não queria ter o mesmo destino daquela bola de bilhar.



― Me escute com atenção  disse ele bem próximo de mim, eu estava suando, parecia que estava uns quarenta graus naquele lugar. Quando vocês chegarem ao centro da barreira do oeste procurem pelo homem chamado Flynt. Ele saberá dizer o que vocês devem fazer a seguir ― concluiu Belenus.



― Mas e você?! Não pode me dizer onde a chama sagrada está e como pegá-la? ― perguntei com um pouco de desespero na voz.



― Infelizmente não posso Oliver, essa batalha não é mais minha ― disse o deus abaixando o olhar. ― Agora você deve voltar, e ãah... tome cuidado com o cachorro da fada.


Senti raiva nesse momento, porque ele simplesmente não me dizia onde estava a droga da chama, afinal foi ele mesmo quem a guardou. E porque eu precisava me preocupar com aquele pequeno pinscher?

Em poucos segundos tudo ao meu redor se transformou em água e percebi que estava me afogando. Senti minhas forças se renovarem, e com um esforço sobre-humano nadei de volta a superfície.



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